quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

«A REN perde , Sintra paga!»

Uma semana de decisões pôs ainda mais a nu o lado de que está a razão, o absurdo de algumas propostas e a falta de seriedade na argumentação que está a ser usada há meses. Fala-vos, obviamente, de tudo o que envolve a linha aérea de muito alta tensão entre Fanhões (Loures) e Trajouce (Cascais): decisões judiciais, posicionamentos políticos e institucionais e argumentos esgrimidos.

Entre os dias 12 e 18 de Dezembro, deram-se quatro importantes “evoluções” neste processo:
- a Câmara de Sintra acordou com a REN e o Ministério de Economia e Inovação, no dia 12, o enterramento da até agora linha aérea, assumindo a autarquia o custo da operação
- o Tribunal Constitucional indeferiu, em definitivo, o recurso da REN relativo à decisão de suspensão do funcionamento da linha de muito alta tensão, determinando a sua inapelável suspensão
- a REN informou que desligaria a referida linha mas que, por eventual sobrecarga da outra linha/central, haveria o sério risco de uma falta de energia numa área significativa da zona da grande Lisboa
- A REN desligou a linha de muito alta tensão

A sucessão de acontecimentos foi esta, e suscita, obviamente, comentários e preocupações meus e, julgo que posso dizê-lo sem pretensiosismo, de todos nós.

Em primeiro lugar, congratular-me por mais uma decisão acertada de um Tribunal que julga este caso e chamar a atenção para o texto do acórdão, que arrasa os procedimentos e os argumentos da REN.

Mas, poucos dias antes desta esperada decisão do Tribunal Constitucional, a Câmara Municipal de Sintra concedia à REN um acordo que estipula o enterramento da linha de muito alta tensão entre Fanhões e Trajouce. Entidade que se compromete a pagar as custas desta obra: Câmara Municipal de Sintra.

O acordo é insólito, danoso para o município de Sintra, despropositado no tempo e, por estas três razões invocadas, acaba por ser misterioso.

Insólito e danoso porque entre entidades que têm (terão mesmo???) interesses diferentes - que se encontram em confronto judicial, estando iminente uma decisão que tudo indicava (o que veio a confirmar-se) ser favorável a um desses dois interesses em confronto -, quem institucionalmente representa esses interesses que estão à beira de uma vitória judicial propõe um acordo, uma solução de consenso, mas responsabilize-se pelo pagamento dessa operação.

É, no mínimo, pouco inteligente e, principalmente, pouco justo.

Contra a vontade dos munícipes e das instituições – como a Junta de Freguesia de Monte Abraão – que desde o primeiro momento se bateram contra esta linha aérea, a REN edificou-a e revelou uma arrogância e um autismo que só conseguiram ser travados nos tribunais. A REN foi vastas vezes avisada dos malefícios da solução aérea, não podendo por isso queixar-se de falta de aviso ou informação.

A Câmara de Sintra, apesar de diversas vezes por mim instada a fazê-lo, não tomou qualquer medida concreta, nomeadamente no plano judicial.

Agora, com o sucesso da providência cautelar interposta pela Junta de Freguesia de Monte Abraão, a que tenho a honra de presidir, para suspender a linha aérea e o julgamento da acção principal a decorrer, a Câmara Municipal de Sintra aceita pagar as custas do desmantelamento da linha área e do posterior enterramento.

Em primeiro lugar, depois do desleixo e negligência com que tratou do assunto, a Câmara Municipal de Sintra e o seu presidente não têm legitimidade política para tomar decisões pelos munícipes de Sintra neste processo.

Agora, sobre o acordo em si:
- é justo que sejam os sintrenses a pagar as despesas de uma obra a que se opuseram em bom tempo, invocando (com razão, como provam as decisões dos tribunais) perigo para a saúde pública, e que só se concretizou por puro autismo da REN?
- é justo que sejam os sintrenses a pagar as obras de enterramento, quando cabe à REN (empresa bem nutrida financeiramente) fazê-lo, ainda mais quando esta solução só não foi a primeira opção da REN por estrita teimosia sua?

A REN usou mal dinheiros públicos na edificação de uma linha aérea quando havia diversos indicadores e vontades que o desaconselhavam.

A REN obriga o Estado (sob a tesouraria da sua própria instituição ou sob a de uma autárquica) a gastar avultadas verbas (estima-se que alguns milhões de euros) no desmantelamento desta linha

A REN gastou, desnecessariamente, milhares de euros em patrocínios judiciais por uma causa perdida.

É então justo que sejam os sintrenses a pagar a factura da incompetência e teimosia da REN?

Com certeza que não. E é chocante que a Câmara de Sintra aceite, placidamente, pagar estas operações que visam repor uma legalidade e salvaguardar um interesse público violado pela, e apenas pela, REN.

Como me deixa estupefacta a Câmara Municipal de Sintra não construir mais escolas, mais equipamentos sociais, centros de saúde, não melhorar os espaços do município e as acessibilidades, resolver a falta de estacionamentos, não apoiar mais o desporto e a cultura alegando continuamente a falta de dinheiro (e digo-o por experiência própria, nos contactos que mantenho com a autarquia enquanto presidente de Junta) e depois pagar facturas que não são suas!!!

Comparando com uma situação mais quotidiana, é o mesmo que termos alguém que monte uma loja mesmo em frente à nossa porta (não cumprindo a legislação e perturbando o nosso espaço), que contestemos essa edificação e que ganhemos o processo em tribunal, e que depois sejamos nós a pagar a “desinstalação” dessa loja e a nova instalação noutro espaço!!

Por tudo isto, trago a desconfiança de que este acordo é misterioso e pode conter mais alguma coisa que não seja do domínio público. Não se trata de uma minha insinuação ou de uma sugestão para qualquer coisa de que já tenha conhecimento. É tão só um raciocínio óbvio de alguém que não compreende a lógica deste acordo, que o considera absurdo.

E, em sede de Assembleia Municipal, diligenciarei para que todos os contornos deste acordo sejam tornados públicos, e votarei, naturalmente, contra ele.

Uma última nota para o pânico que a REN tentou lançar entre a população da área metropolitana de Lisboa, a propósito da suspensão da linha aérea de muito alta tensão e do perigo de falhas de energia alargadas:

A REN, segundo julgo saber, desligou mesmo a linha e esta é até uma altura do ano de grande sobrecarga (Natal, iluminações, aquecimentos, etc). Alguém, por estes dias, teve falta de corrente eléctrica em casa por tempo prolongado…?

Fátima Campos
Presidente da JF de Monte Abraão

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